segunda-feira, 16 de março de 2015

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Em defesa do socialismo, Allende VIVE!




“Aqueles que esperam ver uma revolução social ‘pura’ não viverão para vê-la. Essas pessoas prestam um desserviço à revolução ao não compreender o que é uma revolução” – Lênin.
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            É difícil resumir em poucas linhas com vistas ao futuro mil dias. Mil dias de um processo revolucionário. Citarei abaixo algumas obras que recomendo para o estudo dessa tormenta revolucionária que nos é muito útil para entendermos os processos latino-americanos no presente.
            Lamentavelmente, a figura de Allende – que não deve ser tomada como central nas análises do processo revolucionário, apesar de todo rol que cumpre, é tomada por muitos ora como de um político “ingênuo” e “utópico”, ora como de um “reformista”. O fato é que análises reducionistas têm sido muito frequentes, sobretudo entre setores trotskistas mecanicistas e setores incapazes de romper com o dogmatismo stalinista.
            Salvador Allende chega ao poder em um país com algumas peculiaridades interessantes. Um país com certa tradição democrática, ao contrário dos demais países latino-americanos, com uma tradição legalista nas Forças Armadas – não foi por acaso que Allende contou com figuras como René Schneider e Carlos Prats, ambos peças-chave na repressão aos movimentos golpistas e mais, a República Socialista do Chile, fundada em 1932, foi um movimento liderado por oficiais militares. Isto não quer dizer que o Exército fosse progressista, mas são peculiaridades importantíssimas para se compreender que a estabilidade chilena não era uma ilusão de Allende.
            Mas, como todo Estado capitalista, isto não quer dizer que não tenha havido repressão a movimentos sociais, ou mesmo aos partidos políticos, caso do Partido Comunista chileno que ficou proibido durante dez anos 1948 – 1958.

Por uma via chilena
            O antigo marxismo mecanicista da III Internacional que impôs aos Partidos Comunistas da América Latina a estratégia nacional-democrática estava em crise com a desestalinização e se começava a perceber que havia um entrave para a aliança com a burguesia nacional, a existência dessa última.
            A busca de uma via essencialmente chilena, um caminho próprio para o socialismo, constituía para os padrões da época algo muito avançado. Vale ressaltar que em um curtíssimo período de tempo as Ciências Sociais no Chile se desenvolveram quantitativa e qualitativamente de modo assustador – e muito proveitoso.
            Entretanto, não seria algo tão digno de surpresa se nos lembrarmos que o Partido Comunista chileno não surge com paradigmas estabelecidos pela III Internacional, mas como fruto de um movimento organizado que  construiu seu partido em 1912, tendo à frente Luís Recabarren. Ou ainda que o Partido Socialista chileno nascesse com viés marxista, ainda que abrigasse setores socialdemocratas, com concepções avançadíssimas, sobretudo em relação à dependência.
            Apesar dos percalços pelo caminho, no geral os partidos Socialista e Comunista caminharam lado a lado na maior parte do tempo, e foram, sem dúvida, a grande arma para a constituição de uma frente política que não fez alianças de classe com a burguesia, não por acaso Carlos Altamirano afirmou que a aliança com as classes médias significariam a “renúncia da revolução”, o que inviabilizava a aliança, por seu sistema ideológico, mas recorda que o programa básico da Unidad Popular não entrasse em contradições com seus interesses objetivos. Deixo esse debate para aqueles que forem atrás do livro.

Duas perguntas: Frente Popular?  E se um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, por que assim deve ser com o modelo político?
            Em muitos debates com militantes, sobretudo trotskistas, há uma tendência bizarra a se considerar o governo da Unidad Popular como de Frente Popular. Ora, o conceito é utilizado como um conceito abstrato de validade geral, e não historicamente construído, jogando às favas o arsenal teórico do marxismo – inclusive de Trotsky.
O que a Frente Popular – que obteve êxito eleitoral no Chile, mas em 1952, foi que a Unidad Popular não foi? Um governo de colaboração de classes, de hegemonia burguesa, num período de ofensiva das forças reacionárias.
Os partidos políticos que constituíram a UP, hegemonizada por partidos proletários – O PS e o PC – eram todos do espectro ideológico da esquerda, com um pluralismo que dificilmente encontraríamos hoje. Tendo incluído até o MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionária), que sequer concorria às eleições, aceitando somente a via armada (não-foquista, mas de massas).
Daqui podemos extrair uma grande lição para o futuro. Se houve algo que permitiu o avanço qualitativo em concepções e mesmo em termos de apoio popular foi essa pluralidade. Tanto pelo franco debate de ideias que são o motor da revolução, quanto pela possibilidade de se apoiar o governo tendo por preferência esta ou aquela forma de conceber sua participação no processo revolucionário. Claro que Allende terminou isolado em boa parte porque a esquerda preferiu se digladiar na hora errada, mas ninguém disse que política é um troço fácil.
Mas afinal, reforma OU revolução?
            Por fim, até porque deveria ter sido um texto curto, há esse eterno debate sobre Allende. Se quisermos enfiar ideias na realidade poderíamos tranquilamente caracterizar seu governo como reformista. Mas, se esquecermos de levar em conta a formação dos Cordones Industriales, as JAP, os Consejos Comunales, mesmo o incentivo à ocupações de terra (rural e urbana) para acelerar os processos, enfim, estaremos deixando de lado algo que faz de Allende um socialista, revolucionário muito avançado em relação a outros homens de esquerda do seu tempo. Em nenhum momento passou pela cabeça dele a institucionalização do poder popular; Allende não era um estatista, era um marxista.
            Claro que houve tensões fortíssimas entre “a revolução vinda de cima” e a “revolução vinda de baixo” (Peter Winn), mas este é o tipo de tensão que o vice-presidente boliviano, Alvaro García Linera, caracteriza como criativa, porque é o que faz o processo estar em movimento.
            Aqueles que pensam que será possível chegar ao socialismo só com reformas ou só com revolução estão errados. Precisamos superar essa falsa contradição, que não faz mais sentido, e avançar por reforma e revolução. Afinal, a revolução é, como diria Gramsci, um processo dialético, sujeito a contradições. E quem duvida que vá conversar com Chávez...



Sugestões de leitura:
- Dialética de uma derrota, de Carlos Altamirano (editora Brasiliense; 1979).
- A revolução chilena, de Peter Winn (editora UNESP; 2009).
- Canção Inacabada, de Joan Jara (editora Record; 1998).


quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A nova encruzilhada da esquerda brasileira




            A ascensão de massas de Junho seguramente abre novas possibilidades para o cenário atual, tanto para a direita quanto para a esquerda. Que desafios estão colocados?

O que restou de junho
            Não há dúvidas de que as manifestações de junho são um divisor de águas no cenário político contemporâneo. O que começou como luta anticapitalista, levada a cabo por forças de esquerda, permitiu que movimentos de direita organizados também impusessem sua agenda com muita força, conseguindo, com bastante êxito reforçar o descrédito em relação a partidos e demais organizações políticas como sindicatos e movimentos sociais, bem como um nacionalismo rasteiro e raso, elementos bonapartistas que, ao longo da história custaram muito caro às classes trabalhadoras e às forças progressistas.
            Entretanto, o que há de positivo é que uma aparente apatia das massas em relação à política parece ter se rompido, ainda que na forma da “anti-política”, uma posição política em si mesma.

O PT,  governo de coalizão
            Costuma-se dizer, muito bem acertado, aliás, que quando o PT ganhou a disputa política havia perdido já a batalha ideológica, não por acaso o vice de Lula era um empresário conhecido, de um partido de direita, o defunto PL. Os resultados do Plano Real, que conseguiu estabilidade monetária, à custa de uma ofensiva contra os direitos sociais que empurrou a classe trabalhadora para a defensiva. O Partido dos Trabalhadores ganha a presidência num momento péssimo para a mobilização dos trabalhadores.
            Se num primeiro momento o PT fez concessões à ortodoxia na economia, seu segundo mandato foi propositalmente mais conservador. O bloco no poder faz sua política em cima de um modelo “neodesenvolvimentista”, conforme aponta o sociólogo Armando Boito Jr.
Um desenvolvimentismo muito mais tímido do que o antigo, a ver pelo processo de desindustrialização, mas que foi capaz de agradar à maior parte da classe trabalhadora (o que Paul Singer propõe como subproletariado) por meio de programas sociais, assim como agradou ao capital produtivista e financeiro.
Enfim, a luta de classes estava equilibrada. Mas o governo foi incapaz de romper com o neoliberalismo, e mais, um setor da direita incorporou muito do programa social do PT, o que agora é motivo de grandes preocupações, já que o argumento “se a direita voltar ao poder, os programas sociais irão por água abaixo” já não cola mais. E temos Russomanos, Sérgios Cabrais fazendo valer suas políticas conservadoras sem que os mais pobres temam o fim do assistencialismo.
O que se pode depreender disso tudo é: o modelo neodesenvolvimentista já bateu no teto.

Correlação de forças
            Entretanto, o que foi positivo de junho? Pela primeira vez em muito tempo passamos à ofensiva. Algo aparentemente banal, a redução da tarifa traz consigo uma luta por direitos sociais que pede “mais Estado”.
             O que está diante de nossos olhos é a possibilidade de iniciar um profundo debate ideológico, de trazer pautas, novas e antigas bandeiras para a cena política, isto é, a possibilidade de inverter a correlação de forças, cujo reflexo no âmbito do Estado se faz notar.

O PT, a esquerda, a estratégia
            Militante histórico da esquerda, Milton Temer foi muito feliz quando, em carta aberta, alertou o PT e sua militância do perigo de repetir a tragédia da social-democracia europeia, que levou a cabo o programa neoliberal, e, por sua própria incapacidade de se colocar ao lado das classes sociais que deveria defender acabou perdendo o poder para a direita mais reacionária e fascista.
            O perigo de um vazio existe. E não seria impossível pensar na hipótese de uma renovação da direita capaz de chegar ao poder, ainda que apenas uma eventual hecatombe ameace a reeleição de Dilma.
O PT está na encruzilhada. Pode avançar ou retroceder ainda mais do que nos últimos anos. O fato é que pagará o preço por, ao longo dos últimos dez anos, não ter mobilizado as massas.
A esquerda que está à esquerda do PT (e quando digo PT incluo os partidos mais “tradicionais” da esquerda que estão no governo como PCdoB, PDT) foi incapaz de nos últimos anos construir uma alternativa viável de poder, ou mesmo de contrapoder, o que não faz de sua luta menos digna.
Entretanto, a dificuldade de interpretar o motivo pelo qual o PT governa, de entender a atual correlação de forças em nível nacional, bem como sua intransigência dificulta essa construção, para não dizer que inviabiliza. O PSOL aceita a unidade com o PSTU desde que este aceite integralmente todos os pontos do PSOL, e o PSTU faz o mesmo com o PCB que faz o mesmo com sei lá quem. Nenhuma aliança ao longo da história se constituiu assim.
Apenas bradar “revolução!” e ficar no “denuncismo” de tudo o que vem do governo será um erro tático e um tiro no pé, é ficar onde está.
Esses partidos também tem diante de si a possibilidade de, pela primeira vez em muito tempo, aparecer oferecendo respostas concretas para boa parte da população que esteve nas ruas, e mesmo para aquela que ainda não saiu de lá, afinal, deve se ter em conta que a direita tem as mesmas possibilidades de crescimento.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

O socialismo para o século XXI – Sobre “O Socialismo no século XXI” de Atílio Boron



“Certamente, não queremos que o socialismo na América Latina seja decalque e cópia” – José CarlosMariátegui






    A frase de Mariátegui é um brilhante desdobramento do método marxista, da filosofia da práxis e certamente esse é o espírito do livro de Atílio Boron, editado pela Expressão Popular. Quando se fala em renovação do socialismo a esquerda fica em estado de alerta. A “renovação” em grande parte das vezes se apresentou apenas como capitulação perante a ofensiva neoliberal, cujas consequências todos conhecemos. Felizmente, ao contrário de pensadores como Dietrich, Atílio Boron, reconhecido pensador argentino, não quer pensar um socialismo DO século XXI, senão um socialismo PARA o século XXI.
    A infinidade e a complexidade dos temas tratados no livro impedem que eu faça em pouco tempo uma apreciação justa sobre seu trabalho, que me parece fundamental para a esquerda que pretende recolher os estilhaços do muro de Berlim e seguir em frente sem abandonar a perspectiva do socialismo.

Que capitalismo se tem para desenvolver na periferia
    A primeira secção do livro está inteiramente dedicada a criticar o pensamento  ortodoxo, bem como uma certa “centro-esquerda” latino-americana que aposta no desenvolvimento do capitalismo nacional. O ponto é simples: de que capitalismo nacional se trata se nós não temos burguesia nacional? Há uma passagem interessantíssima em que nosso autor aqui lembra; na América Latina as tentativas de desenvolvimento do “capitalismo nacional” foram sufocadas pela própria burguesia, justamente porque isso não podia se dar sem acirramento da luta de classes.
Esforçando-se em mostrar, retomando as conclusões da Teoria Marxista da Dependência (Marini, Florestan Fernandes, Gunder Frank, entre outros) que não há capitalismo a se desenvolver  na periferia, lembra que uma coisa é que a economia cresça, e isso já vimos, outra é que ela se desenvolva. Dessa forma, países periféricos já tiveram índices fantásticos, o que não significou uma melhora na condição da reprodução na vida das classes subalternas, muito menos que tais países se tornassem desenvolvidos. O capitalismo na periferia esgotou suas possiblidades.

Qual é o modelo?
    Boron lembra, citando o poeta espanhol Antonio Machado “não há caminho, caminho se faz ao andar” que não há modelos a seguir. Se houve um grande erro geral da esquerda em todo o século XX foi o de ter na Revolução Russa a única referência de experiência revolucionária válida, não é à toa que a revolução cubana até os 45 minutos do segundo tempo não contou com apoio do Partido Comunista Cubano, que governara com Batista.
    A falsa moeda existente entre reforma e revolução, que frequentemente é tida como dogma por boa parta da esquerda (tanto revolucionária quanto reformista) é dissolvida pelo politólogo. Lembrando que nunca se teve tantas condições objetivas e tão poucas subjetivas para o salto revolucionário, ele vê na proposição de algumas reformas a possibilidade da criação de condições subjetivas.
Sugerindo alguns pontos para a construção de uma agenda pós-neoliberal, o que não o impede de reconhecer os limites das reformas. Critica-se tanto o reformismo quanto o revolucionarismo, cujo esporte principal é o de identificar os “traidores” do movimento social ao longo da história.
    O nosso problema é que o programa que devemos propor é o de máximo avanço, mas até onde a correlação de forças e o grau de desenvolvimento da consciência das massas permitir, não podemos instituir o socialismo de cima para baixo, até mesmo porque quem tentou fazê-lo se deu muito mal. Os exemplos citados são vários.
    Tanto a Revolução Russa, quando o que desencadeou o processo revolucionário foi uma palavra de ordem muito simples “pão, paz e terra”, que poderiam ter sido incorporadas pelo capital, quanto o assalto ao Quartel Moncada, cujo programa não era socialista. As lutas pelo socialismo nunca começaram e nem vão começar apresentadas como tais.
    Não se trata de etapismo, mas sim do caminho a percorrer.
    O reconhecimento da necessidade de perceber a complexidade dos novos sujeitos sociais que são contemplados pelo projeto socialista também está presente. Se o proletariado clássico industrial já não é mais dominante, aparece uma nova modalidade de setores espoliados que são potenciais aliados, ao que chama de sujeito “povo”, retomando a noção empregada por Fidel em A história me absolverá.

E o nosso fim da história? Al final del viaje empieza un camino, outro buen camino...
    A questão do estatismo, que engessa a mobilização das massas, também não fica de fora quando se trata de estabelecer o que “não deve ser” o socialismo do século XXI. Citando várias vezes Fidel e Raúl Castro, Boron critica essa pesada herança, reconhecida como deficiência pelos próprios líderes cubanos e apareceu como preocupação de Mujica recentemente.
    Atílio Boron também lembra que também a reformas a se fazer dentro do socialismo. Ele não é o fim da história, mas como lembra o cantor Silvio Rodríguez, no final da viagem começa um caminho, outro bom caminho. Quando as revoluções se estagnaram ao longo da história elas pereceram e as consequências foram drásticas. O que se pretende é iniciar uma contribuição coletiva, da qual todos devemos fazer parte, pois o que temos diante de nós é uma encruzilhada na qual escolheremos entre:
Socialismo ou (mais) barbárie!


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Ser ou não ser, o velho novo dilema

    No meio do fogo cruzado surgem ideias boas, ruins, algumas que podem perdurar, outras que morrem em seguida. Por medo de escrever muita bobagem e também pelo conturbado final de semestre, não pude cuidar deste cronicamente moribundo blog.
    Penso já ser possível pensar em algumas indicações bem primárias para tentarmos compreender as mobilizações, embora outros muito mais competentes já o tenham feito.
 
Conciliação de classes e limites do neodesenvolvimentismo
    As manifestações nos mostram que podemos estar chegando ao fim de um ciclo. Lula foi, por assim dizer, o grande “bombeiro da luta de classes”. Conseguiu conciliar os interesses da maior parte da classe trabalhadora (o subproletariado) com os de uma boa parte da burguesia interna (vou sugerir fontes no final desse texto).
    Entretanto, nenhum pacto de classes é eterno e todo desenvolvimento capitalista nos países dependentes tem curto prazo de validade. A redução lenta da pobreza no governo Lula-Dilma, a redução da desigualdade (igualmente lenta), e as melhores condições econômicas, mas principalmente o baixo índice de desemprego possibilitaram melhores condições de luta, bem como permitem que se coloque na ordem do dia a conquista de mais direitos sociais, o que fica visível quando vemos reivindicações que nos parecem vazias como “mais educação”, “mais saúde”, “revogação do aumento da tarifa”.
    A grande maioria que está nas ruas é a juventude, seja de uma classe média, que outrora fora aliada da esquerda, e de uma classe trabalhadora não-organizada e sem perspectivas. O inimigo de classe está nas ruas, mas para tentar capitanear essa vontade de mudança, mas não é ele a essência do movimento.
    O fato de haver uma grande despolitização nas manifestações não anula o anseio por mudanças. São anos de uma educação política pautada pela Veja, pela Globo, pela Folha e pelas Igrejas evangélicas, bem como o silêncio da esquerda e sua restrição aos debates fratricidas.
    Não poderia passar sem deixar o elogio à Dilma por (bem ou mal) ter chamado à necessidade da reforma política. Deixou a postura defensiva da “gestora”, deixou a tecnocracia e politizou a política. Cabe ao Partido dos Trabalhadores sair da sua postura excessivamente defensiva, de refém do governismo e entrar no debate político com a sociedade, bem como toda a esquerda organizada (PSOL, PSTU, PCB, sindicatos, entidades estudantis e o escambau).
A disputa é por dentro!
    Depois das abusivas repressões (que não pararam ainda em boa parte do Brasil), a mídia percebeu que em tempos de youtube e facebook a manipulação de imagens não dá mais conta. A tática da classe dominante passou a ser se organizar dentro das manifestações e pautá-las de acordo com seus interesses.
    O que estava acontecendo era algo extraordinário que a esquerda não percebeu, e que uma boa parte não percebe, pois como nos lembra Marx os homens fazem, mas não sabem que fazem. O que aconteceu nesse momento é que a batalha ideológica voltou de forma a engrossar a luta de classes depois de ter tido um bruto arrefecimento nos anos 1990.
    E não se deve ter uma visão caricatural da luta de classes. Ela não é necessariamente a invasão do Palácio de Inverno com tochas acesas, não é necessariamente armar barricadas na Espanha. Ela é toda a disputa política que tem como norte avançar ou retroceder.

Como diria Lênin...
    E aqui penso, modestamente, que é necessário voltarmos nossas atenções. A recusa aos partidos de esquerda, que “nunca dormiram”, é um elemento importante que nos mostra que as organizações de esquerda não conseguiram ao longo desses anos falar a língua do povo como conseguiam nos anos 1980. Precisamos nos deter muito sobre esse tema para avançar.
    Isso somado ao ataque brutal de organizações de direita que insuflaram manifestantes a agredirem militantes da esquerda, a rasgarem bandeiras de partidos, sindicatos, movimentos Negro e LGBTT, fez com que muitos do nosso lado deixassem de lado a importância dessas manifestações, o que significa dar munição para a direita.
    Não é um bom caminho para quem quer avançar. Quando disserem “contra a corrupção” temos de dizer SIM! Que se investiguem as privatizações, as empresas privadas que recebem financiamentos públicos, concorrências públicas, que se tenha na participação popular mecanismos de controle. E por aí vai...
    O momento é de ganharmos as consciências e não de abandoná-las à própria sorte, permitindo que o aventureirismo da direita nos leve a retroceder ainda mais.
    A solução para o problema vem na pergunta de Lênin: QUE FAZER? Não existe fórmula mágica. Mas quanto mais cedo começarmos a pensar, mais cedo poderemos forjar a unidade na esquerda, que não precisa ser unidade nas urnas, mas nas lutas e mais cedo poderemos passar a ação efetiva. Não é hora de sectarismo infantil, o que se abre diante dos nossos olhos é a possibilidade de mudança progressiva ou regressiva.

Os artigos que sugiro são: Raízes sociais e ideológicas do lulismo, de André Singer e As bases políticas do neodesenvolvimentismo de Armando Boito Júnior.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Direitos humanos para humanos direitos (cheirosos e bem-vestidos)



As atividades da universidade me deixaram um tanto afastado do blog nos últimos tempos, assim como a “ressaca pó-provas”. No entanto, para não deixar em branco publiquei três textos extraídos de um “artigo de brinquedo” que escrevi mais para esclarecimento próprio do que para qualquer outra coisa, cujo título é “socialismo e democracia”.
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“Quem detém os meios de produção material, detém os meios de produção intelectual” (Marx e Engels – A ideologia alemã)






Vamos ao que interessa!
            Não é de hoje que tenho essa preocupação,  mas há algo que tem chamado muito minha atenção nesses últimos dias. A cruzada contra os direitos humanos.

A cidade
A urbanização no Brasil tem nos anos 1980 seu ápice não escapando da lógica histórica de um certo laissez-faire (deixar ser) na organização da cidade, sobretudo na questão do processo de favelização, o que implica num crescimento desordenado, acelerado e que não escapa daquilo que permeia o capitalismo, a marginalização social e a luta de classes.
O modelo de cidade que se tinha até então entra em crise. Devido à falta de projetos de cidade a serem oferecidos pela esquerda (recuperando-se da ditadura) e da direita em crise, a solução neoliberal se apresentou. (Sobre o assunto recomendo o artigo de Carlos Vainer – “Cidade de Exceção”). Não pretendo me alongar sobre esse apaixonante tema para não desencorajar o leitor, pois tratar do assunto com calma demandaria muito trabalho meu e muito tempo de leitura.
A cidade neoliberal não escapa da ideologia dominante, que tem, como aponta José Paulo Netto, na “criminalização da pobreza” e na “militarização da segurança pública” as faces contemporâneas da barbárie.
            Se no final da ditadura estava claro para a maioria do que se convencionou chamar de opinião pública (que é uma abstração do senso comum que vou adotar para facilitar a comunicação) a necessidade de ter os direitos humanos como inalienáveis, uma meta a ser cumprida e um ideal a ser defendido, hoje a situação se inverte, e a nova moda é defender direitos humanos para “humanos direitos”.

Mas quem são os “humanos direitos”? - De novo a ideologia...
            A concepção que Marx tinha de ideologia era a de que ela era uma falsa consciência, não uma mentira, mas uma falsa representação do mundo real. Os estereótipos que se têm nessas proposições não fogem dessa concepção.
            No caso de São Paulo (SP) as gestões de Serra (PSDB) e Kassab (PSD) são quase que um modelo da face contemporânea da barbárie, e o modo de governar que mais agrada aos “humanos direitos”.
A questão da moradia foi deixada de lado. O centro abandonado, com tantos prédios vazios não pode ser desapropriado para os sem-teto, afinal deve haver algo de anti-democrático em reivindicar uma casa, vide o Pinheirinho.
            Os usuários de droga tratados como criminosos comuns, e não dependentes químicos, ou seja, a militarização não é apenas da segurança pública, mas das questões sociais como um todo, o que é uma regressão histórica impressionante, sobretudo quando se tem em conta que o partido que governa o país hoje teve sua gênese num período de ascensão das massas e das lutas sociais.
            Hoje (dia 21/05/2013) quando escrevo esse texto, uma notícia me chocou muito (http://passapalavra.info/2013/05/77661). Tratando do já conhecido modus operandi da Polícia Militar (que até a ONU reconheceu que precisa ser extinta) em uma ação contra três bandidos terríveis, isto é, contra três crianças de rua , que eram agredidas por dois policiais militares, a repórter descreve uma situação em que em nenhum momento o policial com o qual discutia afirma que não agrediu as crianças, pelo contrário, justifica a agressão aos “bandidos”.
A reivindicação mais justa
            E ainda sim, Datena, Luciano Faccioli, Wagner Montes e outros tipos de fascismo 3.0 da era da comunicação continuam batendo recorde de audiência sem que ninguém coloque em questão qual o papel social que estão cumprindo. Os meios de comunicação não são confrontados em nenhum momento sobre sua função social.
            São esses programas que reproduzem a ideologia da criminalização da pobreza, oferecendo como resposta fácil “meter bala”, “prender os vagabundos”, como se a eliminação física fosse resolver uma questão estrutural, ocultando um debate maior a ser feito. Mas não se contentam com isso, também precisam dizer a “verdade” contra aqueles que “defendem bandidos”.
            O curioso é que o argumento é “no dia em que vocês forem assaltados/sequestrados/estuprados/ou-o-que-seja” é que eu quero ver, como se morássemos num mundo à parte, como se nunca tivéssemos passado por uma situação semelhante. Não resolve o problema.
            Não preciso me ater aqui (até porque meu blog ainda não é tão lido quanto a “veja”) ao porque da importância de defender os direitos humanos, quem nasceu num país cuja tradição é a marginalização social e a criminalização das lutas sociais deveria saber disso.  E, no entanto, não sabem. A informação não chega nem nos setores outrora intelectualizados como a classe média, que de aliado dos movimentos sociais (anos 1980 e 1990) passou a sustentáculo da oposição reacionária a um governo que é de um progressismo extremamente tímido. Foi ela que elegeu a “bancada da bala” para a câmara dos vereadores em São Paulo.
            Não há espaço para as forças progressistas nos meios de comunicação. O oligopólio midiático, com uma linha editorial política idêntica, não permite a penetração da esquerda nos marcos atuais. A luta fundamental, e não me importo de repetir quantas vezes seja necessário, é a da democratização das comunicações. A conscientização popular existente na Venezuela não é fruto de um culto à personalidade de Chávez, mas é porque nas rádios se discute política, economia, cultura  e em alto nível, sem que se poupe críticas ao governo se preciso for, é só ouvir as rádios da esquerda e descobrir.
            É claro que na política só se pode ir até onde a correlação de forças permite, mas se esconder atrás de uma correlação de forças desfavoráveis tampouco é prudente.  O período histórico regressivo que vivemos é duro, mas se nos abstivermos de levantar bandeiras fundamentais, de tocar nessas feridas não vamos nunca revertê-lo.
            No entanto, tenho a certeza de que os direitos humanos e a necessidade de defendê-los não será tema a ser debatido nas próximas eleições pelos partidos majoritários, inclusive o PT, que, acomodado no poder, deixa para depois qualquer reivindicação mais progressista que não caiba no bolso do capital.